O poeta
No telefone do poeta
Desceram vozes sem cabeça
Desceu um susto desceu o medo
Da morte de neve.
O telefone com asas e o poeta
Pensando que fosse o avião
Que levaria de sua noite furiosa
Aquelas máquinas em fuga
Ora, na sala do poeta o relógio
Marcava horas que ninguém vivera.
O telefone nem mulher nem sobrado,
Ao telefone o pássaro-trovão.
Nuvens porém brancas de pássaros
Acenderam a noite do poeta
E nos olhos, vistos de fora, do poeta
Vão nascer duas flores secas.
João Cabral de Mello Neto
A perspectiva
“ (...) o futuro da poesia reside em sua própria fonte.(..) Inicialmente, é preciso reconhecer que, qualquer que seja a cultura, o ser humano produz duas linguagens a partir de sua língua: uma racional, empírica, prática, técnica; outra, simbólica, mítica, mágica. (...)” (p. 35) é com a afirmação de Edgar Morin que começamos a análise do poema “O poeta” de João Cabral de Mello Neto. A primeira linguagem do poema de João Cabral seria, superficialmente falando, a de um poeta perdido com suas idéias sem conseguir encaixá-las de uma maneira significativa para o leitor, causando um desconforto, uma estranheza, isto segundo Morin, seria a linguagem racional. Porém a poesia não se limita a esta primeira linguagem. Em “O poeta”, João Cabral fala da própria poesia (metapoesia), ou seja, do fazer poético. Ele apropria-se de língua prática, racional, utilizando símbolos conhecidos para tentar expressar o desconhecido, aquela sensação que só ele sente. Ele fala do moderno, utilizando elementos como o telefone e o avião para representar a modernidade. Na primeira estrofe fica clara essa intenção: “No telefone do poeta/ desceram vozes sem cabeça” – a intenção do poeta é de mostrar a inspiração, vinda como “uma ligação” de vozes desconhecidas, de lugares estranhos, inesperados. O trecho: “Ora, na sala do poeta o relógio/ Marcava horas que ninguém vivera.”, Mostra a situação vivida pelo poeta no fazer poético, ou seja, a sala do poeta seria a sua poesia, marcando horas que ninguém vivera, pois a poesia não é vivida e sim sentida. “E nos olhos, vistos de fora, do poeta/ Vão nascer duas flores secas.” Mostra o fim da atitude do poeta os olhos vistos de fora, seria o olhar do público, e as duas flores secas, seria a própria poesia pronta, seca porque o poeta não fica satisfeito com a sua produção, que já nasce morta, já nasce ultrapassada devido à efemeridade do mundo moderno em que vive. É, pois, uma crítica (ou mais uma crítica) à modernidade e todo seu avanço tecnológico e maquinário que invade(ia) as cidades, mudando completamente a vida da população (para pior, segundo muitos poetas).
Postado por "Os Três Tenores"
Referências
MELLO NETO, João Cabral de. pedra do sono. In:_____. Obras completas:volume único. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1995
MORIN, Edgar. Amor Poesia Sabedoria. São Paulo: Bertrand Brasil, 2003.